Em sequência a vários assuntos levantados pelo Baldassare, volto à carga.
Volto a afirmar que a escola, na sua faceta mais visceral, se resume a um triângulo: Matéria, professor, aluno (deixo a discussão sobre a ordem apropriada para quem gosta de discutir o sexo dos anjos).
O professor ensina a matéria, o aluno aprende a matéria. A matéria é o elo de ligação.
Os alunos mais novos (pelo menos até ao 9º ano) não podem ter voto quando se trata de escolher o que querem ou não aprender. A partir daí e até determinado ponto, poderão apenas escolher o ramo a que queiram mais dedicar-se (por sua exclusiva responsabilidade).
Já agora, contrariamente ao que algumas luminárias do Ministério da Educação(?) pensam, a educação deve, fundamentalmente, ser dada pela família. À escola cabe primordialmente ensinar e, só depois de o conseguir fazer eficaz e eficientemente pode pensar noutros voos (não quer dizer que não tenham lugar uns laivos de educação, mas a coisa fundamental é ensinar matéria – coisas relativas ao mundo em que vivemos, como mortais que somos). Aliás, o Ministério deveria chamar-se Ministério do Ensino.
Já se sabe que as famílias são uma manta de retalhos que, a existirem com alguma solidez, se reúnem à volta do maior caixote de lixo da história, a televisão, snifando gases putrefactos. Ou se reúnem ou se isolam, cada um por sua conta, frente a TVs ou ainda a computadores onde a Internet, manancial fonte de copy+paste e chats imbecis, domina a educação caseira.
Entre os alunos instalou-se um clima em que é rejeitado (pelo grupo, de comportamento cada vez mais acarneirado), todo o aluno que não “curte”, na totalidade (pois claro) a estupidez reinante.
Paralelamente à instalação deste clima, as tais luminárias do ministério foram criando um novelo de absurdos, capitaneado pelas Ciências da Educação.
Esse novelo foi começando simplesmente por se tornar um estorvo ao ensino (aquela coisa que na escola se espera que aconteça), para, paulatinamente, ir tentando desmanchar o tal triângulo das tripas. Ir tentando, quer dizer, escaqueirando.
Á medida que das luminárias foram vertendo paradigmas (héhé), a escola foi começando a conseguir ensinar cada vez menos.
O aluno não aprende? Porque o método não é correcto.
O aluno não aprende? Porque não lhe foram feitas as perguntas correctas.
O aluno não aprende? Porque lhe faltam os equipamentos adequados.
O aluno não aprende? Porque há muita indisciplina, perdão, porque os alunos são problemáticos, perdão, são originários se bairros problemáticos. (Parece que 95% do país é composto por bairros problemáticos)
O aluno não aprende? Porque as aulas não são “apelativas”.
O aluno não aprende? Porque “a matéria sugerida não é a que lhes interessa”.
...
Qualquer mortal percebe que, implicitamente, está em jogo a autoridade e o poder do professor.
Já sei que o Baldassare não gosta da palavra ‘poder’, mas isso é um problema dele. Não há autoridade sem poder, a não ser na cabeça(?) das tais luminárias – não só mas também, já se percebeu. À guisa de sugestão sugiro que o Baldassare, antes de dormir, repita 50 vezes a frase “autoridade e poder são duas faces do mesmo todo”, e medite o seu significado. Se mesmo assim não for lá, problema dele. Esta coisa de aprender quase nunca acontece sem suor.
Voltando às aulas, a escola tem-se transformado numa espécie de prolongamento do jardim de infância, uma coisa destinada a fazer passar o tempo sem se dar por isso. Uma alternativa à ida à revista, onde o aluno, coisas passiva, assiste e gosta ou não.
O novelo de absurdos criado à volta do triângulo, acabou por absorvê-lo, tendo-se entrado no reino do disparate total. Pretende-se que os alunos aprendam, sem esforço, coisas que lhes são sugeridas como mera hipótese de diversão.
Há pessoas que supõem que alunos desta idade têm “crenças” que o professor não deve contrariar: a aula certificadora do bom selvagem.
Como é de esperar, o resultado é patente. Cada vez se aprende menos, sobre o que quer que seja. A estatística não ajuda, a culpa é da estatística, escaqueira-se a estatística. O aluno continua a não aprender, naturalmente porque a matéria é inadequada. Curiosamente nunca é substituída, apenas removida.
A fasquia que, em cada momento, cada aluno tem pela frente vai sistematicamente baixando e, mesmo assim, a estatística não melhora.
As luminárias ficam perplexas (palavra que eles adoram), mas insistem em negar a realidade. As intenções deles são as melhores, logo, o mundo está errado.
As luminárias, munidas de uma verborreia do politicamente correcto, levam a arte ao zénite do nada.
Os alunos continuam sem aprender, entretanto em segunda geração: os papás respectivos despejam os rebentos na escola como se esta os substituísse.
Já sei que o Baldassare acha que eu defendo coisas do tempo da outra senhora (coisas de Velho do Restelo – percebendo-se que, de Velho do Restelo, o Baldassare nada percebe). Sugiro que ele leia este artigo, do Pacheco Pereira, em que ele explica a origem do politicamente correcto. [Não consegui link para o original do Abrupto, converti o artigo em PDF].
A cambada continua a sair da escola cedo demais e, mesmo quando lá fica mais uns tempos, a aprender pouco.
Os programas vão sendo dizimados de matéria e os canudos lá vão sendo distribuídos, como se isso tivesse alguma importância no mundo real: aquele em que as pessoas decidem, frente a uma prateleira de supermercado, por determinado produto em função da relação preço qualidade.
O Ministério continua a supor que o copy+paste é suficiente.
A malta não aprende o suficiente para se aguentar face a americanos, japoneses, ingleses, franceses, alemães e agora, blasfémia, indianos e chineses. Não bastava já estes dois ganharem menos que a malta e, ainda por cima, parecem trabalhar melhor que nós. Porque será? Será que nas escolas chinesas se ensina pelas mesmas bitolas que aqui?
O Velho do Restelo avisou: vejam lá onde se vão meter.
Descobrimos o caminho de água para a Índia, mas os proveitos foram esbanjados em sumptuosidade. Quem ganhou?
Pouco depois o ouro do Brasil. As riquezas eram trocadas por quinquilharia mais ou menos vistosa no Mar da Palha – nem chegava a terra. Quem ganhou?
Nas colónias de África nem tanto. Não f...... nem saímos de cima.
Na Comunidade, uma parte significativa do cacau foi refundida em BMWs. Os alemães agradeceram. De outra parte fizeram-se infra-estruturas que agora nos vemos à rasca para manter. Do que sobrou fizemos formação, mas esquecemo-nos, mais uma vez, de chamar à atenção dos alunos que a parte que lhes competia era a parte em que era suposto aprenderem (e, se calhar, a história vai repetir-se brevemente).
Milhares e milhares de gajos fizeram formação em quantidades industriais. Tudo servia. Qualquer gajo se inscrevia em cursos de cabeleireiro após ter terminado um de informática. Tiravam-se cursos em chouriço. Resultados?
Os centros de formação que pretendiam manter padrões mais elevados aplicavam o chumbo sem tibiezas, mas logo apareciam umas luminárias chamando a atenção que a estatística (os ‘ratios’ como eles gostam) estavam demasiado baixos e, portanto, havia que alinhar na balda generalizada - ou os subsídios seriam capazes de escassear.
...
Já com o lodo pelo pescoço, aparece uma ministra que não sabe muito bem para que lado se há-de virar. Globalmente tem feito um trabalho razoável, mas ainda está para se ver o que pretende ela parir em relação à matéria e à disciplina.
A história da TLEBS não abona em favor dela. A história da disciplina também não se percebe muito bem. Um leitor habitual deste blog chamou a atenção para que possa ser provável que ela retroceda o caminho que tem vindo a ser seguido (desautorização do professor) apenas por lhe parecer uma coisa inevitável (dai mais poder ao professor e mais responsabilidade à família) mas ele chama a atenção de que isso pode ser uma decisão a contra-gosto.
A disciplina é um valor fundamental de qualquer sociedade que se preze. Disciplina em tudo. Horas de chegada, de estudo, de ir para a cama (dormir o suficiente), etc.
Exercitando a imbecilidade generalizada, curte-se o canudo do 12º com uma viagem a Espanha onde se apanham bebedeiras em cascata, ao som de música chunga. Só se acorda quando o Sol se põe, vai-se para a cama mal ele desponta. Fornica-se muito também.
Conhecer, de facto, o local para onde se vai? Só se for as reives lá do sítio. Que outra coisa poderia ser?
... e por aqui, provavelmente, me fico. Já teclei mais do que suponha ser necessário para explicar o óbvio.
Resposta:
Começa por estabelecer que a matéria é o elo de ligação entre o professor e o aluno. Eu considero que o professor é o elo de ligação entre a matéria e o aluno. Cabe ao professor explicar da melhor maneira possível a matéria estipulada pelo ME.
Eu nunca disse que queria que os alunos decidissem a matéria a ser leccionada/aprendida. Isso não era uma Educação centrada no Aluno, mas uma Educação feita pelo Aluno (tal como acontecia pouco tempo depois do 25 de Abril, quando os alunos quase mandavam nos professores...).
O conceito de Educação centrada no Aluno é muito mais simples: deve ser o aluno o principal considerado nas decisões relativas à Escola, porque é o aluno o centro natural da Escola.
A Escola, mais do que ensinar, deve educar. Não podemos deixar às famílias a responsabilidade de criar toda uma geração. Até porque há famílias e famílias... Se assim fosse, havia muitos que tinham uma má educação, só porque vêm de uma família que não educava bem. Era injusto. (e perdoe-me se a Justiça é um conceito demasiadamente politicamente correcto)
A Escola deve educar.
É daqui que parte a minha posição da Escola centrada no Aluno. Se a escola deve educar, que tipo de educação damos para obtermos, no final, que tipo de sociedade?
Há que definir que tipo de sociedade queremos para o novo século: se uma sociedade mais livre, democrática, justa e responsável, ou se uma sociedade de hierarquia injustificada, repressão, injustiça e “respeitinho”.
Se optarmos pela primeira, queremos, naturalmente, uma Educação que incuta estes valores na futura geração.
Para incutir a liberdade, nada melhor que dar liberdade. Para incutir democracia e justiça, nada melhor que estabelecer um modelo de ensino em que a relação professor-aluno e aluno-aluno seja mais democrática. Para incutir a responsabilidade, nada melhor que requerer responsabilidade (o que só pode ser feito se houver liberdade...).
A Sociedade de amanhã vai reflectir a Escola de hoje.
A desresponsabilização do aluno é fruto da Educação centrada no Professor. Se acreditamos que é o professor o elemento principal da Escola, é porque achamos que ele deve ser o responsável pelo sucesso dos alunos. A lógica da Educação centrada no Aluno é:
O Aluno não aprende? Culpa dele. O que interessa é educá-lo para a liberdade, responsabilidade, democracia e justiça.
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