sábado, outubro 28, 2006

Tempo de Qualidade

Com a vida acelerada que o século XX criou, e para colmatar a falta de tempo que os pais têm para os filhos, inventou-se o conceito vanguardista do Tempo de Qualidade, em vez do tempo em quantidade, mal gasto.
Esta teoria defende que para se educar os filhos, e com o dia-a-dia moderno, a única solução seria passarmos pouco tempo com os filhos, mas quando passamos, fazê-lo bem. Fazemo-lo com “qualidade”, ou seja, falamos, vamos ao cinema, convivemos, jantamos fora etc...
Isto era tudo o que os pais atarefados do século XX queriam ouvir. Preocupados com a educação que estavam a dar aos filhos, preocupados com a ideia de serem “pais ausentes”, esta teoria de muitos psicólogos tranquilizou-os.

No entanto, na minha opinião, o tempo passado com os filhos deve ser mais que “de qualidade”. Ele deve ser também em “quantidade”.
Faz parte da formação de um indivíduo ver TV com os pais, ouvir uma história à noite, fazer coisas que não são necessariamente aquilo que queríamos, ter “momentos de pouca qualidade”, assim como ter momentos de “qualidade”. Faz parte passar muito tempo com os pais, conhecê-los bem.

Não acho positivo os pais darem pouco tempo aos filhos, mas quando lhes dão tempo, mostram-lhes só o seu melhor lado.
Não acho positivo esta coisa do “pouco tempo, mas bom”. Não acho positivo nem acho exequível.
Só passando uma boa porção do dia com os filhos podemos ter realmente tempo de qualidade. O tempo é como o ar: só é de qualidade se existir muito. Só se existir tempo é que se proporcionam as vivências, só com as vivências se pode conhecer outra pessoa, só conhecendo outra pessoa podemos ter tempo de qualidade com ela.

Nesta era do fast-food, do fast-life e do fast-education é difícil criarmos momentos agradáveis. E os momentos agradáveis não acontecem “à pressão”. Para estes se proporcionarem espontaneamente é necessário tempo. E o tempo tem uma coisa incompatível com esta sociedade baseada no dinheiro: o tempo não se pode guardar nem investir. O tempo flui.

É preciso ter mais cuidado nas gerações que estamos a construir, no futuro que estamos a dar aos nossos filhos e aos nossos netos. Porque não há tempo sem tempo nem educação sem educadores.

4 comentários:

Ctrl disse...

O que fazer quando é preciso trabalhar cada vez mais para pagar as contas que aumentam, despropocionalmente ao ordenado? Conheço tanta gente que sai cedinho com os filhos ainda na cama e chega (quando muito) para o beijo de boa noite... Que por mais voltas que dê, não consegue fazer mais cortes no orçamento, que já mal se lembra do que são luxos ou gastos supérfluos...
Há tanta coisa que não depende da vontade dos pais... Ao menos que o tempo passado com eles seja de qualidade, quando não pode ser em quantidade.

Ctrl disse...

Já agora, quem passa o tempo com os filhos dessas pessoas? O(s) professor(es)...
Que também são pais, mesmo quando estão nas reuniões até depois da hora do jantar, quando o horário prevê 2 horas; que corrigem testes com os miúdos ao colo, porque sabem que quanto menos tempo demorarem a entregar, melhor, etc, etc

Ctrl disse...

Devia ter começado por aqui: obrigado pelo belíssimo texto, baldarasse!

baldassare disse...

o que eu acho é que não se podem fazer só "coisas fixes" com os filhos- aquilo a que normalmente se chama Tempo de Qualidade.
Tem de se dar a conhecer a própia pessoa ao seu filho e tem de se ter momentos "normais".
E isso é muito difícil de ter em pouco tempo.

Há que fazer escolhas, e a escolha de ter um filho é importantíssima! Quem tem filhos tem de abdicar de algumas coisas, como viagens, aventuras, e de algum do seu tempo.
Se isso não for possível é pena, mas o que também é pena é que alguns pais até podiam trabalhar em part-time ou só trabalhar um dos conjuges, mas como estão tão obcecados com os bens materiais (às vezes até a pensar no futuro dos filhos), não o fazem.

O Tempo de Qualidade é um mau remédio, mas não deixa de ser um remédio.
O pior é quando se pode passar mais tempo com os filhos, mas não se faz isso porque acham que o tempo de qualidade é uma teoria correcta.
O que eu quero dizer é: o tempo de qualidade pode ser um (mau) remédio para os que não podem M-E-S-M-O passar mais tempo com os filhos. O problema é quando se adopta este sistema mesmo quando se pode não o fazer, só mesmo por acharem-no correcto e se calhar menos trabalhoso.

Retribuo o Obrigado ao CtrlAltDel, pelos três comentários.