"Eduquês" em discurso desonesto
Sei que o atraso é grande, mas cheguei agora à leitura do comentado livro de Nuno Crato "O Eduquês em discurso directo - uma crítica da pedagogia romântica e construtivista". Sem querer contestar a existência dessa linguagem hermética, complexa e floreada, que frequentemente esconde um deserto de conteúdo e à qual Marçal Grilo tão bem chamou eduquês (linguagem que se encontra também fora das discussões sobre educação, sendo encarada por muitos como sinal de erudição e pensamento complexo), o pequeno livro de Nuno Crato vai muito além da ideia do ex-ministro.
Exemplarmente bem escrito, como aliás é costume nos textos do matemático, por entre a profusão de citações e referências bibliográficas surge um chorrilho de desonestidades intelectuais, repetidas interpretações perjurativas, jocosas e descontextualizadas de frases dos colunáveis da educação portuguesa, e uma recorrente deturpação das ideias e dos princípios que estão subjacentes a esta ou aquela afirmação. O ilustre matemático e divulgador de ciência mais parece um adolescente com dotes de escrita a quem roubaram a amada, e que se vinga ridicularizando o outro Romeu de todos os modos possíveis, independentemente da lógica ou honestidade intelectual.
Enquanto despeja o seu ódio intestino às correntes pedagógicas vai demonstrando um desconhecimento do funcionamento da sala de aula, dos problemas e desafios que são postos à escola actual, e de muitas das teorias que ele próprio cita para justificar os seus ataques. São interpretações convenientes, limitadas o suficiente para servirem o propósito.
Espremendo o texto escorrem uma gotas do liberalismo de quem passou metade da vida a adorar o modelo de ensino dos EUA, misturados com um conservadorismo atroz. Nuno Crato acaba por rejeitar a validade do método de construção do conhecimento científico, ao querer parar todas as mudanças que as correntes pedagógicas actuais defendem, com as deficiências, fragilidades e excessos que são inerentes às teorias de qualquer área do conhecimento (e que só podem ser ultrapassadas com a discussão académica e social). Em vez disso defende que se volte atrás, que se regresse aos métodos antigos que se sabe funcionarem, até se provar a validade das novas ideias.
Pergunta-se se os irmãos Wright tivessem esperado pelo desenvolvimento de um avião que nunca cairía seríamos hoje capazes de ir de Lisboa a Nova-Iorque em poucas horas, para levar a injecção mensal de liberalismo.
O que este regresso aos métodos antigos esconde é uma total desvalorização dos desafios de universalização do ensino, da desigualdade de condições económicas e culturais no acesso ao conhecimento (uma golpada no conceito de classe e dos códigos diferenciados, como um bom liberal deve fazer), sendo estes problemas completamente independentes da questão da "utopia" igualitária a que comummente são colados.
O que se sabe é que os métodos antigos funcionam muito bem para quem é muito bom. O que Nuno Crato não responde (nem a pedagogia moderna - ainda) é como fazê-los funcionar muito bem para todos os outros. Ou se calhar isso não é importante..."
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7 comentários:
"das novas ideias".
Sim. Sexo virtual, parece que também é baril. Moderno, muito. Se os Irmãos Wright soubesses ... que travessias!
Nem tudo o que é moderno é bom. Tudo o que já foi experimentado e não resulatou é mau.
O post está contra Crato e a único argumento que apensa à defesa do status-quo é o da modernidade, metendo os aviadores ao barulho (claro que se esquece de todos os que morreram com ideias do mesmo calibre).
"O que se sabe é que os métodos antigos funcionam muito bem para quem é muito bom."
Entretanto sabe-se que os novos funcionam mal para todos. Que sentido faz o post?
Há bons métodos, entendidos como eficazes meios de aprendizagem, quando não se quer aprender?
Como pode um "sistema educativo" querer educar a todos, mesmo contra a vontade de alguns?
Não é já tempo de não obrigar ninguém a ir à escola?
Quanto custa a escolaridade de quem não quer ser escolarizado?
Acho má a lógica "se as pedagogias até agora não resultaram, vamos voltar ao anterior sistema, que também não resultava"
A lógica deve ser "o sistema actual e o sistema antigo não funcionam. Porquê? Vamos inventar um novo sistema que resulte"
Na hierarquia das 'qualidades', o sistema em vigor é muito pior que o anterior. Um recuo estratégico seria uma medida inteligente.
Formigapreta:
"Quanto custa a escolaridade de quem não quer ser escolarizado?"
Pois. Não quer porque o novo sistema dá essa "alternativa", e ainda por cima insiste na obrigatoriedade do ensino.
Baldassare:
"Vamos inventar um novo sistema que resulte"
Muito bem. Cobaias, não faltam. E se não resultar? Experimenta-se outro.
... enquanto houver cobaias ...
Se fossem ratos, as sociedades de protecção dos animais protestariam. Sendo crianças ...
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... e os 1's que foram "puxados" a 2's, mesmo merecendo 0?
Qual a relação matemática entre 0 e qualquer coisa que não seja 0?
Tende para infinito, dizem uns, qualquer valor, dizem outros.
Pois. Qualquer coisa serve.
... e ainda não perceberam que estão a fazer TUDO ao contrário? Há uns 20 anos que é assim.
Se a coisa piora de cada vez que "tomam medidas", qualquer pessoa de inteligência ao nível de rato deveria perceber que se deveria inflectir em sentido contrário. Mas para isso seria necessário ter-se, pelo menos, inteligência de rato.
Qualquer rato sabe isso: leva porrada de um lado? Foge para outro - não insiste na mesma direcção.
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