domingo, fevereiro 24, 2008

A Escola e os valores

A Escola é uma instituição social. Como tal, é natural que transmita valores. Mas será que esses valores devem estar explícitos no programa oficial?
A minha resposta é: deve estar escrito o valor da liberdade, pois permite adoptar qualquer valor.
Se for dada liberdade de escolha e de expressão, a Escola é neutra, pois permite a adopção dos valores que cada um quiser adoptar. Só existem duas alternativas: ou se transmite o valor da liberdade, ou endoutrina-se os valores que se considere positivos. Deus nos livre da segunda opção...

A liberdade é o primeiro dos valores, pois permite a adopção de todos os outros. E é este o valor que a Escola deve ensinar, com o objectivo de termos futuros cidadãos livres.

É claro que os professores, as famílias e os colegas formam o resto dos valores de cada um. (Quando falo de liberdade de expressão falo em liberdade de expressão por parte de professores, famílias e sobretudo alunos.)

Além disso, a liberdade leva naturalmente à formação de outros valores, que todos consideramos benéficos. Por exemplo, a responsabilidade. Se for dado ao aluno liberdade e ele aproveitá-la mal, terá as respectivas consequências (algumas inerentes ao acto que o aluno praticou, outras através da aplicação de castigos...). Isso desenvolverá nele o sentido de acto-consequência, levando naturalmente à responsabilidade.
A solidariedade também pode nascer naturalmente da liberdade, pois é um valor humano, espontâneo, inato, mas que precisa de contacto com outros humanos para se desenvolver (é este o único argumento contra as aulas de substituição... e chega para torná-las absurdas).

Outros valores nascem do contacto com a liberdade, e os que não vêm daí, são transmitidos pelos familiares, professores, amigos e meio social em geral. Desde que haja liberdade para os adoptar ou não, tudo bem.

Todos os outros valores não deviam estar em nenhum programa, para que fôssem os alunos a ponderar e adoptar os valores pelos quais querem reger a sua vida.

6 comentários:

RioDoiro disse...

"Só existem duas alternativas: ou se transmite o valor da liberdade, ou endoutrina-se os valores que se considere positivos."

Então, o valor da liberdade é negativo?

Ou não é positivo, nem negativo? Se e assim, como há apenas duas alternativas?

O valor da liberdade é um conceito vazio. Como o valor da circunferência, do quadrado ou do preservativo.

O que deve ser ensinado é a matéria que permita concluir que a liberdade é algo a adoptar (implicando seguir os conceitos que nela desembocam).

Já agora, tirar essa conclusão (liberdade) ou outra conclusão qualquer, na certeza porém que a responsabilidade fica com quem toma a decisão face ao que lhe seja exposto.

A escola não deve "endoutrinar" nem no sentido da liberdade.

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JOSÉ LUIZ FERREIRA disse...

Mesmo o valor da liberdade deve ser transmitido sempre em articulação com o valor do pensamento crítico e com o amor ao conhecimento.
Com esta ressalva, concordo com a posição do baldassare: não devem ser inculcadas nas escolas moralidades particulares.

baldassare disse...

Range-o-dente,
Ou se dá o valor da liberdade, ou escolhe-se os valores que se deve doutrinar, ou seja, haverá uma comissão que decidirá quais os valores positivos (bons para a nação e para os alunos) a transmitir. Quando eu digo "os valores que se considere positivos" digo os valores que a sociedade (a comissão) considerar positivos. Isso parece-me, a mim, bastante negativo.

A liberdade é um valor neutro, no sentido em que permite a adopção de todos os outros. Por isso é que só há duas opções: ou se dá a liberdade, ou se dá os valores "benéficos". Só não há uma terceira opção porque não estou a ver o ME dizer "o programa passa a ter o valor x e y, porque nós os consideramos malévolos"...

Destas duas opções, a da doutrinação leva a um caminho de futuros cidadãos doutrinados e até radicais. A da liberdade leva a cidadãos que escolham os seus valores. Atenção que "liberdade" inclui naturalmente a liberdade de se optar por valores conservadores e anti-liberais. Claro! Não há cá "a liberdade a sério", que na verdade constituiria uma verdadeira doutrinação.

E a liberdade não é um conceito vazio ou vago. É sim o mais complexo dos valores, pois ensina-se, não por dizer "liberdade é isto", mas por dar espaços de exercício da liberdade (de crença, de expressão, de associação, ...).
E isso não é assim tão difícil. O que é difícil é não começar a "explicar aos meninos" ó que é a VERDADEIRA liberdade ou outros valores. A dificuldade da liberdade está aí: em não ofuscá-la.

RioDoiro disse...

Baldassare, ponha mais gelo no wiskey.

"A liberdade é um valor neutro,"

"E a liberdade não é um conceito vazio ou vago."

"Só não há uma terceira opção porque não estou a ver"

Não vê, logo, não há.

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baldassare disse...

Ponha mais tabaco na ganza...

A liberdade é um valor neutro, mas não é um valor vazio ou vago. O conceito de zero para si é vago?
A liberdade é neutra porque permite a adopção dos valores que se quiser. Não é vazia porque para essa adopção é necessário saber as opções que se tem e haver uma efectiva liberdade de escolha. A liberdade implica um conjunto de conhecimentos que possibilitem a escolha. Isto é neutro. Isto não é vago nem vazio.

A liberdade é um conceito extremamente complexo e neutro. Aliás, quase tudo o que é neutro é muito complexo. Quase tudo o que é absoluto é muito simples.

"Só não há uma terceira opção porque não estou a ver o ME dizer "o programa passa a ter o valor x e y, porque nós os consideramos malévolos"..." Assim é que devia ser a citação.
Sinceramente, acha essa terceira via plausível? Mesmo o mais malévolo dos valores, a estar num programa escolar, será apresentado como muito bom.
Para mim é sempre mau estarem valores que nao a liberdade nos programas escolares, mas a verdade é que, se estiverem (e estão), são sempre apresentados como positivos.

Citar meias frases fora do contexto é muito mais giro do que dar opiniões...

RioDoiro disse...

"A liberdade é neutra porque permite a adopção dos valores que se quiser."

"Que se quiser" Muito bem. É o caso da liberdade que um ditador tem em fazer o que muito bem entende. Ou a liberdade de matar o vizinho porque o gajo calça meias brancas.

"tem e haver uma efectiva liberdade de escolha".

"A liberdade implica um conjunto de conhecimentos que possibilitem a escolha. Isto é neutro. Isto não é vago nem vazio."

Claro que não. Hitler tinha uma concepção adequadíssima de liberdade. E que liberdade. E quantos libertou ele das garras da gravidade. Estaline e Mao também. Foram paladinos da liberdade.

...

A liberdade tem valor intrínseco, não é coisa neutra. Tem valor e assenta em vários pressupostos.

Mesmo assim, não deve ser vendida como pescada.

É da responsabilidade de cada um adoptá-la como conduta. Pode adoptar ou não. Não adoptando, não adopta a liberdade, adopta a não liberdade. Liberdade não é coisa neutra.

Liberdade de escolha não é liberdade, é apenas liberdade de escolha. Um ditador tem liberdade de escolha, não havendo liberdade.

A liberdade não é um conceito neutro, como não é a ditadura.

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